07 Agosto, 2017 12:53

Lei Maria da Penha completa 11 anos e defensora avalia avanços e necessidades no combate à violência contra a mulher

Lia Medeiros do Carmo Ivo coordena o Núcleo Especializado de Combate à Violência Contra a Mulher da DPE-PI.

Lázaro Lemos
Defensora Lia Medeiros recebe a assistida Elizângela Sousa no Núcleo da Mulher (Lázaro Lemos)

Embora sejam vítimas e estejam sofridas, elas não são revitimizadas ou tratadas como “coitadinhas” quando chegam ao Núcleo de Defesa da Mulher em Situação de Violência da Defensoria Pública do Estado do Piauí. Ali, as mulheres que sofreram seja qual for o tipo de agressão, são, antes de qualquer coisa, recebidas com o respeito e a dignidade que têm direito. São ouvidas, orientadas, atendidas e encaminhadas para as medidas necessárias, dependendo de cada situação.

O núcleo conta com três defensores públicos titulares, Lia Medeiros do Carmo Ivo, Verônica Acioly de Vasconcelos e Armano Carvalho Barbosa. Sob a coordenação da primeira, o espaço trabalha com uma equipe de servidores e estagiários devidamente preparada para buscar o fortalecimento psicológico dessas mulheres, os direitos que lhes são assegurados por lei e também a punição e reeducação dos agressores.

Anterior à Lei Maria da Penha, que nesta segunda-feira (7) completa 11 anos de existência, e oferece mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, o núcleo realiza em média 48 atendimentos ao mês, número registrado no último mês de junho. Muitas vezes, em apenas um dia, nove são os casos atendidos, sendo que cada um demanda, às vezes, uma manhã inteira.

Lia Medeiros destaca que a criação da Lei Maria da Penha foi muito positiva para o combate à violência contra a mulher. A defensora afirma tratar-se de um grande avanço na luta por desmontar uma formação que teve por base o patriarcado, que por sua vez ao longo dos anos trabalhou a questão da submissão da mulher. “A gente vem caminhando na luta por tentar desconstruir tudo aquilo que foi construído, quando pré-definiram nossos papéis. Vemos que muitos comportamentos equivocados  foram desencadeados a partir dessa formação, sendo que o mais forte é a violência. Então, embora tenha vindo tardia, a Lei Maria da Penha foi  um avanço muito grande porque trata não só de direito penal. É uma lei híbrida.  Trata as questões administrativas das políticas públicas, porque é assim que a questão deve ser tratada. Não adianta só penalizar, você precisa educar e a Lei Maria da Penha traz diversas questões quanto a isso, e por ter essa característica ela pode mudar muita coisa,  principalmente  em relação ao empoderamento das mulheres, porque quando você tem o Estado ao seu favor você tem mais coragem de denunciar e enfrentar a situação”, afirma a defensora.

Ela destaca que a violência contra a mulher pode se dar de várias maneiras e não apenas física. “Temos a violência psicológica, moral, patrimonial  e também a sexual, porque muitas mulheres ainda se submetem aos desejos dos homens por acreditarem que têm a obrigação de fazê-lo devido a algum tipo de vínculo emocional que tenham com ele. Um grande problema é que a violência, muitas vezes, ocorre entre quatro paredes. A violência moral então é muito séria, mas é preciso saber que hoje já existe jurisprudência voltada para garantir a valorização da palavra da vítima, inclusive com o depoimento de parentes e vizinhos que possam relatar a situação, mesmo que não possam ser arrolados como testemunhas”, explica a coordenadora do núcleo.

Lia Medeiros chama a atenção para a desqualificação feminina em vários aspectos e por vários setores,  mas diz que hoje esse comportamento já apresenta mudanças. “Acho que estamos mais conscientes nesse aspecto. Claro que ainda há muito retrocesso, mas vemos que existe uma mudança de comportamento, antes era mais naturalizada a questão da mulher objeto. Claro que temos ainda que avançar muito, mas isso não depende só da Maria da Penha, pesquisa aponta que ela é uma das leis mais conhecidas no Brasil, senão a mais conhecida. As mulheres se apoderaram dela, às vezes nem sabem especificamente o que é, mas sabem que têm a ver com marido que bate em mulher. É muito importante a mulher se empoderar e se apoderar do conhecimento da lei,  por isso que em todos esses anos de funcionamento do Núcleo, além da assistência jurídica direta à mulher vítima de violência, procuramos sempre estar participando dos movimentos paralelos de proteção. Desenvolvemos, por exemplo, a Campanha do Laço Branco, que leva os homens a refletirem e se sensibilizarem sobre a questão da violência e o papel que desempenha nesse cenário”, diz a defensora.

“A violência contra a mulher vem de uma cultura machista que prejudica também o homem, fazendo aflorar neles essa necessidade de responder de forma agressiva porque foi criado para isso, para ser forte. A campanha do Laço Branco trabalha para que os homens em geral reflitam a necessidade de uma transformação, que, claro, não é imediata, mas só o fato de haver uma reflexão já pode levar a uma mudança e esse é o objetivo da campanha. Tem também o trabalho desenvolvido pelo Nupevid  de reeducar aqueles homens que já se encontram envolvidos em processos de violência. Temos participação efetiva nesse processo onde, além dos temas como machismo, saúde e sexualidade, abordamos o processo criminal, esclarecendo ainda sobre as medidas protetivas. Esse trabalho dura nove meses e tem obtido resultados. A prevenção é muito importante", destaca Medeiros.

Lia acredita que a tendência é que as mulheres cada vez mais busquem formas de se livrarem de situações de violência e que a Lei Maria da Penha tem sido fundamental nesse sentido, pois proporcionou uma visão diferenciada do problema e foi precursora para que muitos mecanismos de defesa surgissem como número 180 onde tanto a vítima como qualquer outra pessoa pode denunciar a agressão como aplicativos, como o Salve Maria, posto em funcionamento pelo Governo do Piauí, que permite inclusive o envio de provas em vídeo e áudio . “Eu sempre oriento as mulheres a irem tentando se munir de alguma prova. existem inúmeros  artifícios como,  por exemplo,  o aplicativo Salve Maria. São dispositivos à mão para que ajudam na implementação da Lei Maria da Penha. Acredito que melhoramos como rede de proteção e que hoje estão disponíveis  muito mais serviços para a mulher. Os operadores jurídicos também estão conhecendo melhor a Lei Maria da Penha, temos vara específica para tratar sobre esses casos, o que é muito positivo. Agora,  existe uma parte da lei que não é aproveitada como deveria,  que é exatamente a questão do desenvolvimento de políticas públicas voltadas para a mulher vítima de violência, para que por meio dessas políticas ela possa reconstruir sua vida, tendo como se manter e saindo de uma situação até mesmo de dependência econômica em relação ao agressor”, afirma a defensora.

Resolução e aprendizado

Elizângela Maria de Castro Sousa, técnica em enfermagem, é assistida pelo Núcleo da Mulher da DPE-PI há 5 anos. Vítima de violência psicológica ela diz que o apoio da Defensoria Pública foi fundamental para que conseguisse reestruturar sua vida. “Não conhecia o trabalho do Núcleo, soube por meio de uma advogada conhecida. Aqui recebi todo o apoio necessário. Gosto muito e temos toda a assistência e somos como uma família. Gosto muito de todos e não tenho do que reclamar. Se não fosse o atendimento aqui, não  tinha dado um basta na situação. Hoje, minha vida está resolvida”, afirma Elizângela.

Já, a estagiária do núcleo desde 2015, estudante de direito Bárbara Crateús Santos, diz que estagiar na Defensoria representa um crescimento muito grande no ramo jurídico de aprendizados do estágio. “Mais do que isso foi um ganho pessoal mesmo, acho que quem está aqui acredita no que faz. Nunca gostei muito do Direito que não é crítico e não aborda questões sociais, como a violência de gênero. Aqui eu me encontrei. É como uma casa para mim.  Já vai completar dois anos que estou em um exercício diário da minha humanidade. Quando a gente vem para o estágio definimos o destino das nossas vidas. Sempre tive e ainda tenho o sonho de ser defensora pública e o Núcleo para mim é só uma reafirmação do que quero para  minha vida”, destaca Bárbara.

Tanto a defensora pública, como a estagiária  e a assistida comungam do mesmo pensamento de que a Lei Maria da Penha serviu para mudar a realidade das mulheres vítimas de violência. “Está dando resultados sim,  a aplicabilidade dá resultados. Já deu para muitas. É uma das melhores legislações no mundo e embora seja necessário evolui e extrair mais dela, acredito que temos sim que festejar e lembrar a mudança que causou na sociedade brasileira. Ela  incomoda, inclusive, pessoas consideradas poderosas, com alto poder aquisitivo, como o ex-marido da modelo Luiza Brunet, que tentou desqualificar a lei chamando-a de “leizinha vagabunda”, causando uma reação imediata de todos os segmentos da sociedade. Vemos que, se ela incomoda é porque está dando resultados. Então, temos o que comemorar”, afirma Lia Medeiros.

Autoria: Âgela Ferry
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